Arquitetura

5 projetos que se apropriam da cidade

Quem tem interesses afins deixa de se encontrar apenas na internet para tomar as ruas das grandes metrópoles, seja para aproveitar, seja para cuidar

É um movimento amplo, que começou com intenções difusas, mas agora ganha um desenho nítido. O estúdio de tendências da holandesa Li Edelkoort enxerga que o descontentamento com a política, as crises econômicas, a exploração feroz dos recursos naturais, o hiperconsumismo
e a violência do mundo atual levam as pessoas a querer reescrever suas relações – com a natureza, a vizinhança, a cidade.

Ocupar os espaços públicos das mais diversas formas é a maneira que encontraram para redesenhar essas conexões. Em alguns casos, por meio de um trabalho de zeladoria. Pode ser um encontro de tribos com interesses específicos – festa infantil na praça, ioga no parque.

Pode ser também um plantio de árvores, como o que o advogado paulistano Danilo Bifone começou a realizar, sem maiores pretensões, há mais de 20 anos na Zona Leste de São Paulo. Foi só quando a árvore que emprestava sombra à calçada de sua casa morreu que ele percebeu que nunca havia se dado conta da importância dela. Tratou de aprender a plantar e repôs a muda. Aproveitou para olhar em volta e, vendo que a rua e o bairro precisavam de mais árvores, decidiu plantar ele mesmo.

A ideia atraiu amigos e interessados, que passaram a se encontrar mensalmente e resultado: já contam 25 mil mudas plantadas e mais quatro grupos descendentes em outros bairros da capital. “Perguntam se o Muda Mooca tem CNPJ, se é uma ONG. Nada disso. Somos apenas uma turma que planta árvores”, simplifica. Além do benefício da zeladoria, Danilo acredita que os encontros fortalecemos laços sociais, dão poder à comunidade e mostram que o espaço público não é terra de ninguém.

Estelle Brown, uma das organizadoras do Incredible Edible, grupo que cultiva hortas comunitárias em Todmorden, na Inglaterra, concorda. “Por meio do trabalho com as hortas, as pessoas passaram a perceber que a cidade realmente pertence a elas”, conta. A pequena “Tod” se tornou um canteiro. “Quando começamos, em 2008, éramos 12. Agora há cerca de 40 pessoas trabalhando nelas diariamente, sem contar os turistas, que vêm só para conhecer o projeto.”

E não faltam iniciativas como esta pelo mundo, inclusive no Brasil. A Horta das Corujas, no bairro paulistano Vila Beatriz, foi implantada em uma praça e fica aberta ao público 24 horas por dia.

Ou seja: mais gente na rua. Para os urbanistas, sinal de ambiente saudável e seguro. “A circulação de pessoas valoriza a área, promove a troca de experiências e transmite sensação de segurança”, explica José Magnani, professor titular do departamento de antropologia da USP.

O escritório Summary assina este projeto de uso misto em Vale de Cambra, Portugal. Embaixo há lojas e, em cima, residências individuais. Vantagens: edificar rapidamente, aproveitar o espaço e criar circulação de pessoas nas calçadas.

O escritório Summary assina este projeto de uso misto em Vale de Cambra, Portugal. Embaixo há lojas e, em cima, residências individuais. Vantagens: edificar rapidamente, aproveitar o espaço e criar circulação de pessoas nas calçadas. (Divulgação/Revista CASA CLAUDIA)

O projeto de uso misto – casas em cima e lojas embaixo – do escritório Summary para um terreno de Vale de Cambra, em Portugal, é o exemplo perfeito: em vez de um condomínio murado, há vitrines, que atraem a circulação de passantes – uma maneira indireta de ocupar a cidade e também de cuidar dela.

Magnani ainda fornece outra perspectiva para a explosão de grupos que sentem a urgência de se juntar para curtir ou cuidar da cidade: “Quando o poder público falha, a sociedade civil se fortalece e se organiza para defender seus interesses”.

Das várias instalações de Felipe Morozini no Minhocão, a Sala da Estar foi montada sobre a via elevada – exatamente na altura de andares residenciais.

Das várias instalações de Felipe Morozini no Minhocão, a Sala da Estar foi montada sobre a via elevada – exatamente na altura de andares residenciais. (Gustavo Cedroni/Revista CASA CLAUDIA)

Um dos diretores da Associação Parque Minhocão, que luta para transformar em parque suspenso o problemático Elevado Costa e Silva, avenida construída no nível de andares residenciais em São Paulo, Felipe Morozini faz coro: “Tomar o Minhocão como espaço de lazer é um ato político, pois vem de uma necessidade da vizinhança, e não de uma decisão da prefeitura. Aqui não tem sombra nem banheiro, e ainda assim vive lotado quando fecha, nos fins de semana”.

Há anos, Morozini vem usando a avenida para criar intervenções urbanas que criticam o uso do espaço público. Numa delas, flores foram pintadas de cal num longo trecho do asfalto – mas nem se cogitava a ideia de parque ainda. “Quando vim morar aqui, há 17 anos, só se falava em tirar o elevado de cena. Faz pouco tempo que entendemos que precisamos nos apropriar dele”, conclui.

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(Felipe Morozini/Revista CASA CLAUDIA)

E por falar em elevados: inspirado pelas cabanas improvisadas da infância, o designer espanhol Fernando Abellanas projetou uma plataforma que faz as vezes de refúgio – ora escritório, ora cama – debaixo da ponte. Ocupação até o último cantinho.

O designer Fernando Abellanas, conhecido como Lebrel, usou a estrutura de concreto de uma ponte de Valência, na Espanha, para criar uma cabana que vira escritório e cama. Na plataforma, há uma manivela que permite correr de um lado (para subir) a outro (para se isolar).

O designer Fernando Abellanas, conhecido como Lebrel, usou a estrutura de concreto de uma ponte de Valência, na Espanha, para criar uma cabana que vira escritório e cama. Na plataforma, há uma manivela que permite correr de um lado (para subir) a outro (para se isolar). (Marco Clausen/Revista CASA CLAUDIA)

“A circulação de pessoas valoriza a área, promove a troca de experiências e aumenta a sensação de segurança de todos”

José Magnani, professor de antropologia da USP

Vivendo sobre as águas

Por Ana Carolina Minozzo, de Londres

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(Divulgação/Revista CASA CLAUDIA)

Nem só sobre o solo ficam as casas na capital inglesa. Basta compreender que a cidade, além do famoso Rio Tâmisa, é repleta de canais e rios. Um fato curioso é que a quantidade de houseboats aumentou 60% nos últimos cinco anos em Londres e nos arredores. Há barcos para todos os gostos, dos gigantes luxuosos aos míni e sustentáveis.

Enquanto alguns moradores alugam seu espaço fixo nas águas, outros optam por se mover a cada duas semanas, cruzando desde zonas bem hype, como London Fields e Little Venice, até áreas afastadas. O contato direto com a natureza é controlado à risca pela Canal River Trust, que não apenas se preocupa com a fora e a fauna mas também com a reciclagem e o uso da água e energia limpa dos houseboats.

Uma horta para todos

Por Maíra Goldschmidt, de Berlim

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(Prinzessinengarten/Revista CASA CLAUDIA)

Em Berlim, as hortas comunitárias são um movimento estabelecido. Enquanto aqui há iniciativas pontuais, lá cada bairro tem a sua. Um dos projetos mais famosos é o Prinzessinengarten, em Kreuzberg, região multicultural e boêmia da capital alemã.

Criado em 2009 por Robert Shaw e Marco Clausen, do Nomadisch Grün, o jardim produz hoje mais de 500 tipos de vegetais e ervas sem pesticidas e fertilizantes artificiais, numa área equivalente a um campo de futebol.

O trabalho é feito por voluntários. Quando os vegetais estão prontos para a colheita, um letreiro avisa aos visitantes. O local oferece também workshops sobre meio ambiente e tem um café e restaurante, com pratos elaborados com o que foi produzido na horta.