Casas e Apartamentos

A CASA DO FUTURO

De um lado, a tecnologia fica quase invisível e facilita a vida, mas vira algo onipresente. De outro, vem a reação de quem prefere se desconectar

Quem foi criança entre as décadas de 1960 e 80 cresceu com a ideia de que no futuro viveríamos como os Jetsons, a família dos desenhos animados criada pelo estúdio Hanna-Barbera. Mas ainda estamos longe de usar carros voadores, apesar de todo o avanço tecnológico visto até hoje.

O futuro ganhou outra forma, moldada pelo tráfego intenso de informações. “Nos próximos dez anos, a revolução digital será muito maior do que nas últimas três décadas. E isso vai influenciar o modo como nos relacionamos, viajamos, trabalhamos, nos entretemos e moramos”, afirma o arquiteto e pesquisador Guto Requena.

A arquitetura, o design de interiores e os jeitos de viver, claro, não poderiam ficar de fora dessa revolução. “À medida que os espaços diminuem, adaptabilidade e multifuncionalidade são fundamentais para pensar uma decoração contemporânea”, afirma Andrea Bisker, head da Stylus, uma empresa especializada em inovação e consultoria.

Guto Requena, arquiteto, pesquisador e diretor criativo do Estúdio Guto Requena.

Guto Requena, arquiteto, pesquisador e diretor criativo do Estúdio Guto Requena. (Tomás Arthuzzi/Revista CASA CLAUDIA)

“Vamos assistir nos próximos dez anos a uma revolução digital muito maior do que a gente viu nas últimas três décadas. E isso vai influenciar o modo como nos relacionamos, viajamos, trabalhamos, nos entretemos e moramos”

O que vem por aí

E como essas novidades vão aterrissar na sua casa? Para descobrir a resposta, a reportagem de CASA CLAUDIA falou com experts, como Guto e Andrea, e conferiu as mais recentes pesquisas internacionais sobre o assunto.

Todos apontam para o avanço rápido dos dispositivos tecnológicos, provocando uma onda que impacta o comportamento e faz surgir novos movimentos e tribos, como os nômades. Desprendidos, porém conectados, eles conseguem se sentir em casa em qualquer lugar do globo.

“É a geração que não sonha em comprar um imóvel e se fixar porque prefere viajar pelo mundo. O nomadismo enfatiza que o ‘ter’ deixará de ser importante”, explica Iza Dezon, diretora da agência de estudos de tendências Peclers do Brasil.

Para esse grupo, ao desembarcar num novo lugar, o uso do smartphone ou do tablet para acessar as músicas e os filmes preferidos ou entrar em contato com as pessoas queridas rapidamente desperta o sentimento de lar, ainda que seja uma casa virtual.

Com os novos gadgets, que facilitam o dia a dia, surgem os robôs e assistentes pessoais. “Eles já podem ler notícias, buscar informações de trânsito, pedir pizza, chamar o encanador, fazer compras. Além de controlar todos os aparelhos domésticos, desde o micro-ondas até o ar-condicionado”, explica Andrea. E o melhor: é possível acioná-los à distância.

Mas o excesso de aparato tecnológico também gera reações contrárias e coloca em evidência a turma que deseja se desconectar e experimentar uma rotina mais analógica e, assim, se aproximar da natureza. Essas pessoas buscam uma ligação com o mundo real no que vem sendo chamada de casa-templo.

“As fronteiras entre a natureza, o exterior e a vida interior estão se tornando mais tênues porque os moradores querem trazer um clima zen para suas casas. Jardins internos estão em alta, especialmente para quem vive em grandes cidades”, explica Dewi Pinatih, editora sênior de design de produto na Stylus.

Na contramão dos que buscam refúgio, há os que valorizam a troca de experiências. Nessa pegada, uma das escolhas é pelo coliving. “A economia compartilhada, que já impacta várias indústrias, começa a deixar sua marca no universo imobiliário. Conforme os preços dos imóveis aumentam mais do que a renda dos consumidores, espaços de convívio e residências compartilhadas por vários moradores se tornam uma solução atraente, em especial para as novas gerações”, explica Andrea Bisker.

Nasce assim a casa pública, uma realidade mundo afora. O movimento oposto, entretanto, também existe. Cresce a quantidade de gente que prefere morar sozinha por opção. Esse grupo
passa longe do estigma de solidão e simplesmente quer ter a liberdade de fazer suas próprias escolhas no dia a dia. É o que os trend hunters batizaram independent singletowns.

Dentro do conceito de compartilhar ideias e experiências, os limites do que é considerado privado estão sendo revistos e quem ganha com isso é o espaço público. A Avenida Paulista e o Minhocão, em São Paulo, reservados exclusivamente aos pedestres nos fins de semana, são bons exemplos. Hoje, nos apropriamos das cidades e nos sentimos motivados a cuidar delas como se fossem nossa casa.

Em outros países, o fenômeno já vem acontecendo há algum tempo. No Brasil, no entanto,
é algo recente e será absorvido rapidamente pelas futuras gerações. “Em 1950, cerca de 30% da população global vivia em centros urbanos. O número cresceu para mais de 50% em 2014 e ainda deverá aumentar pelo menos mais 20% até 2050 (segundo um estudo das Nações Unidas de 2014). A procura por estilos de vida mais fluidos faz com que os espaços coletivos sejam valorizados e promovam um convívio saudável nas cidades”, conta Andrea.

Andrea Bisker, head da Stylus, empresa especializada em inovação e consultoria.

Andrea Bisker, head da Stylus, empresa especializada em inovação e consultoria. (Tomás Arthuzzi/Revista CASA CLAUDIA)

“A procura por estilos de vida mais fluidos faz com que os espaços coletivos sejam valorizados e promovam um convívio saudável nas cidades”

Um novo layout

Se o comportamento humano evolui, é natural que a configuração dos ambientes da casa acompanhe essas transformações. “A maneira como construímos até hoje obedeceu a um modelo que separa os projetos em áreas social, íntima e de serviços. Só que agora, com os novos jeitos de morar, isso tende a acabar”, explica Guto.

Espaços quase ou totalmente integrados viraram regra, pois se adaptam à rotina acelerada da maioria das famílias. Enquanto no passado as conversas aconteciam de um jeito formal na sala de estar, hoje podem rolar durante o preparo do jantar, com a TV ligada.

De quebra, a integração da cozinha com o living facilitou a convivência e ainda elevou o ambiente ao status de estar. Apesar disso, há quem diga que ela pode sumir no futuro. “Talvez deixe de existir porque vamos viver em espaços compactos e não teremos mais a necessidade de preparar refeições, pois pediremos nossa comida pelo celular ou qualquer outro dispositivo ligado à internet”, diz o arquiteto e designer Tiago Curioni.

A crise imobiliária nas grandes metrópoles e a escassez de crédito para o financiamento influenciam na diminuição da metragem dos imóveis. Na mesma proporção, o preço do metro
quadrado aumenta. Por isso, temos acompanhado uma grande oferta de empreendimentos com medidas enxutíssimas – entre 10 e 20 m².

Assim, o mobiliário precisa ser repensado para se adequar a esse cenário e itens multiúso serão mais valorizados. “As peças acumularão funções, como a mesa de centro que vira mesa de jantar”, explica o designer Ronald Sasson.

Com as casas cada vez menores, cresce o interesse por espaços bem pensados e peças de design, que modulam tanto o conforto quanto o prazer de morar. Algo em que arquitetos, designers e criativos estão superfocados.

Nas reportagens a seguir, dissecamos todos esses temas e mostramos como vários aspectos desse novo jeito de viver já estão dentro das nossas casas.

Tiago Curioni, arquiteto e urbanista, com pós-graduação em design estratégico.

Tiago Curioni, arquiteto e urbanista, com pós-graduação em design estratégico. (Tomás Arthuzzi/Revista CASA CLAUDIA)

“Talvez nossas cozinhas deixem de existir porque vamos viver em espaços compactos e não teremos mais a necessidade de preparar refeições. Pediremos comida pelo celular ou qualquer outro dispositivo ligado à internet”